5 de fev. de 2009

Maria Solidão


- É daqui que sai o ônibus que vai para o Pacaembu?


Quem, na saída de uma missa, vê a sorridente senhora de 73 anos perguntando, animada, onde pegar um ônibus, não imagina a sua vida triste. Maria Alaburda Katsus é descendente de lituanos. Seus pais vieram para o Brasil por conta própria, como imigrantes, iludidos com a idéia de que aqui “pão dava nas árvores”, fugindo da crise instaurada pelas constantes mudanças na Lituânia antes mesmo de ela nascer. Assim que chegaram aqui, tiveram uma surpresa. Ao contrário das promessas de uma vida maravilhosa, tudo que a família Alaburda encontrou foi pobreza e morte: os três filhos adoeceram e ficaram internados por um tempo no hospital Emílio Ribas – mas não adiantou: morreram um a um, deixando apenas Marianna, sua mãe, na época grávida de um menino, e Miguel, seu pai. “Muitos de nós perderam seus filhos com a imigração. Doenças... Não sei. Mas a maioria das criancinhas morria, era muito comum. Meu último irmãozinho morreu nos meus braços... Foi triste!”.

Os pais de Maria foram morar na Moóca, numa casa de dois cômodos que dividiam com várias outras famílias. Miguel trabalhava carregando vagões de sacas de café na Lapa. Viviam da distribuição alimentícia da prefeitura, que na época mandava caminhões para não deixar que as pessoas morressem de fome. “Quase ninguém tinha dinheiro, então a prefeitura passava com os caminhões na rua pra distribuir comida pro povo; então eles pegavam as panelinhas pra pegar comida da prefeitura”.

Mas a miséria não durou para sempre. Um dia, enquanto seu pai trabalhava carregando sacas, aconteceu um incêndio no prédio do depósito e ele desabou. Miguel não hesitou ao ver os amigos nos escombros: “Ele pegava sacas vazias de café, encharcava na água, punha nas costas e ia puxar os amigos. Foi quando ele se feriu e ficou 13 meses internado lá na Santa Casa – a mesma época em que eu nasci”. Arriscar a vida pelos amigos valeu a pena. Dentre as vítimas, estava o Interventor de São Paulo, Fernando Costa, que, agradecido, foi ao hospital atrás de Miguel oferecer ajuda. O que o lituano pediu? Um emprego para ele e para a esposa. O interventor providenciou suas naturalizações e deu a eles o emprego pedido. Trabalharam lá até o fim da vida.

O emprego dos pais abriu as portas para Maria na Secretaria da Agricultura. Ela trabalhou lá sua vida inteira, como secretária. Há alguns anos, entrou com a aposentadoria. De lá, guarda muitas histórias que diz preferir nem comentar - "A política é uma coisa muito suja, muito sem escrúpulos", suspira , com ar de quem sabe do que está falando.
Maria cresceu no meio da comunidade lituana de Vila Zelina. Conta que, muitas vezes, os imigrantes juntavam-se todos numa casa só e cantavam, felizes, velhos hinos de sua terra. O catolicismo, imperante dentre eles, é que a faz seguir em frente até hoje: é brigada com o filho, que não fala mais com ela, nunca casou-se de novo e não tem mais parentes vivos. Mas está todos os domingos na missa da Igreja de São José da Vila Zelina, participa ativamente da arrumação das festas e quermesses de lá, e ainda arruma tempo para reivindicar consertos e limpeza pelo bairro. Mas o que a faz mesmo contente, e isso pôde-se perceber ao conhecê-la, é estar com outras pessoas e ser ouvida. A única casa no meio de muitas agências de automóveis da região fica na esquina entre a Avenida Anhaia Mello e a Rua Taberoé e guarda uma senhora cheia de feridas que a vida deixou, desde a vinda dos pais para o Brasil, até hoje.


Maria solta repetidas vezes expressões como "Se minha netinha estivesse viva...", "Se meu filho viesse me visitar mais vezes", "Eu gostaria de ter mais pessoas por perto" - mas nunca se mostra completamente abalada: "A igreja é como uma família pra mim. Adoro cozinhar nos eventos. Sabia que a barraca lituana é a que mais vende comida na quermesse?". E é assim que ela se despede, sorrindo e convidando a todos para comer de sua comida na próxima festa junina.

Um comentário:

  1. Oi Ariane. Estou aqui retribuindo a visita. Ve se aparece viu [risos]. Espero que vc goste das proximas materias do blog. bjs.

    Samuel Yossef/ +Freak

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